Esportes

Grupo transforma quadras em Diadema e vê basquete crescer

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1990, seis jovens foram assassinados por “justiceiros” (grupos de extermínio) no bairro do Campanário, na periferia de Diadema, quando voltavam de uma despedida de solteiro.

Os nomes deles -Kiko, Alexandre, Lano, Edielson, Marcelo e André- batizam a praça Kaleman, inaugurada na região anos depois para homenagear os mortos e que rapidamente se tornou um dos principais pontos de basquete da cidade.

Não à toa a quadra da Kaleman foi uma das escolhidas para receber a reforma do On Fire, grupo recém-criado que organiza eventos da modalidade e tem feito melhorias em diversos locais públicos da cidade.

A ideia surgiu quando Fernando Andrade, o Fernando OnFire, e Alexandre Silva, o Vampy, decidiram fazer um pequeno campeonato de basquete de rua, em outubro de 2020.

O evento, mesmo sem nenhuma divulgação, reuniu muito mais gente do que imaginavam.

“Um dia eu e ele [Vampy], voltando de um racha [jogo de basquete], dentro do carro, pensamos: ‘Vamos tentar reformar as quadras?’ A ideia começou despretensiosa, a gente nunca esperava sair em jornal”, diz Fernando, que é advogado.

Os dois foram em busca de apoio da prefeitura e empresas privadas. Juntaram-se com outros conhecidos do basquete de Diadema e começaram o projeto.

“A população está despolitizada. Se não tem linha de frente que faça a organização e interlocução com a política, a coisa não sai. E a qualidade das quadras sempre foi uma carência para todo o mundo do basquete de Diadema, de todas as gerações”, completa Fernando.

A reportagem visitou as quatro quadras que o On Fire já reformou: a do Kaleman, a do Parque do Passo, a do União e a do JV. A do Senna deve ser reformada ainda neste ano.

A primeira que recebeu novas cores, em maio, foi a localizada no Jardim União, periferia de Diadema. Ela fica ao lado de uma casa de cultura, um circo-escola, uma quadra de futebol de salão e uma pista de skate.

Na tarde em que a Folha a visitou, pelo menos 15 garotos de cerca de 10 anos jogavam basquete ali. É unânime a sensação de que as reformas trouxeram mais jovens para o esporte.

“Você consegue ver se o cara já é do basquete ou não pela roupa e pelo estilo. Aquele ali, por exemplo, está de jeans e camisa polo. Ele não é do basquete, mas está pegando interesse e no futuro vai ser”, analisa Fernando, observando a cena.

Ele continua, com seus planos para o futuro: “Aqui tem que ter a nossa primeira escolinha, olha o tanto de moleque que não tem nem tênis para jogar, tá de chinelo”.

As quadras reformadas, dizem os integrantes do grupo, ajudam a romper o preconceito com o basquete e a reduzir a resistência que muitos pais têm em deixar seus filhos irem brincar na rua.

A inclusão do basquete de 3 contra 3 (que nasceu do basquete de rua) nas Olimpíadas ajuda a difundir a prática. “Você percebeu a quantidade de moleque que está jogando? Não era assim, essa molecada não existia aqui em Diadema! Imagina daqui uns anos…”, diz Vampy.

Na quadra do Senna (que homenageia Ayrton Senna), ele lembra da própria infância. Conta que morava na região e começou a jogar basquete com 16 anos. “A gente fez uma quadra na rua. Pintamos a rua, furamos o asfalto pertinho da guia e subimos uma tabela. Aí começamos a jogar.”

Jogou até a década de 2000, inclusive nos famosos rachas do Parque do Passo. Eles reuniam times até do Parque do Ibirapuera, mas que desapareceram em razão dos anos em que a quadra ficou sem boa manutenção.

Vampy se afastou do esporte por algum tempo, mas se reaproximou nos últimos anos em razão de seu filho, Daniel.
Sem dinheiro para bancar aulas de outros esportes, o pai resolveu voltar a fazer o que sempre fez desde a infância: jogar basquete na rua, dessa vez com o filho, que está na base do time da cidade.

“O objetivo é entregar para essa molecada algo que eu não tive quando criança”, afirma.

Outra preocupação do grupo é integrar o basquete com a cultura. Nesse sentido é importante a atuação de Jean B, filho de Nelson Triunfo, precursor do hip-hop e do breaking no Brasil.

Ele chegou a ser jogador profissional de basquete e atuou no São Paulo. Hoje, também é diretor da Casa do Hip Hop de Diadema e ajuda, por exemplo, a levar DJs e dançarinos de breaking para os eventos da On Fire.

“Desde novo eu trabalho com produção, por ser filho do Nelsão [Triunfo], e decidi dar uma força para eles. Aí foi uma força aqui, uma força ali e me envolvi com o grupo. E fiz essa ponte com o hip-hop, que tem tudo a ver com o basquete de rua”, diz.

Um dos resultados desse diálogo com outras áreas é visto na quadra do JV. Lá, com ajuda do artista Pixote Mushi, a reforma incluiu uma parceria com pichadores e grafiteiros para atuar nos muros que a circundam.

Agora eles querem colorir também um beco que fica ao lado para criar o “beco do baska”, brincadeira com o Beco do Batman, ponto na Vila Madalena, em São Paulo.

A quadra da JV foi onde aconteceu o primeiro campeonato organizado pelo grupo, aquele ainda sem divulgação e antes das reformas, em outubro de 2020.

Um ano depois, em 7 de novembro, o grupo organizou um novo campeonato ali, com mais de 600 pessoas presentes, venda de comida e bebida por comerciantes da cidade, competição de enterradas, apresentações musicais e apoio de patrocinadores como Converse e Budweiser.

Antes das reformas, a quadra era conhecida como “quadra do mendigão”, pela quantidade de moradores de rua que abrigava.

“Hoje ainda residem moradores de rua aqui, mas agora eles também se organizaram, você pode ver que não fica mais lixo espalhado, dá pra ver que eles arrumam e guardam as coisas atrás da árvore [ao lado da quadra]”, diz Rogê, também membro da On Fire. “Eles veem o zelo com a quadra, a molecada cuidando, e acabam se organizando também, da maneira que podem.”

A On Fire também faz partidas solidárias para arrecadação de alimentos e roupas. “Não é um mendigo malvado, é um ser humano.”

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